As festas de fim de ano marcam encerramentos e transições. Para nós, adultos, isso costuma vir acompanhado de alegria, encontros e celebrações. Para muitas crianças — especialmente as crianças com TEA — esse período pode ser confuso, intenso e desorganizador. Mudanças na rotina, excesso de estímulos, pessoas diferentes, sons altos, cheiros novos e expectativas sociais podem gerar ansiedade, medo e sobrecarga. Por isso, previsibilidade não é rigidez: é cuidado.
🌱 Por que a previsibilidade é tão importante?
Quando a criança sabe o que vai acontecer, onde estará e o que se espera dela, o corpo relaxa. A previsibilidade oferece segurança emocional, mesmo quando o contexto é novo.
Isso vale também para crianças pequenas:
👉 mesmo sem compreender tudo racionalmente, elas sentem quando algo é explicado com calma, clareza e confiança.
📽️ Se o local for novo: prepare antes
Se a celebração acontecer em um local diferente:
- Mostre fotos ou vídeos do lugar
- Explique, de forma simples:
- onde vocês vão
- quem estará lá
- o que provavelmente acontecerá
- Se possível, diga:
- “vamos chegar”
- “vamos ficar um pouco”
- “depois vamos embora”
Essa antecipação ajuda a criança a organizar internamente a experiência.
🧸 Levar um objeto junto: combinado importante
Convide a criança a escolher algo para levar com ela:
um brinquedo, objeto sensorial, livro ou pelúcia.
Mas aqui entra um ponto essencial de cuidado:
Em locais muito cheios, abertos ou com muitas pessoas (como praias ou festas grandes), talvez não seja a melhor ideia levar o brinquedo preferido.
Explique isso com antecedência, sem ameaça:
“Esse brinquedo é muito importante para você. Aqui pode se perder e isso pode te deixar muito triste. Vamos escolher outro para esse momento?”
Isso ensina cuidado emocional e prevenção de sofrimento, não privação.
🎧 Sons, estímulos e autorregulação
Se a criança já usa: abafador de ruídos e ou fone de ouvido.
👉 leve com você, mesmo que “talvez não precise”.
- preparar uma playlist com músicas que a criança gosta
- combinar que ela pode usar nos momentos mais difíceis
Autorregulação não é fraqueza, é estratégia.
🏠 Se a celebração for na sua casa
Mesmo em casa, tudo muda: pessoas, cheiros, vozes, horários.
Por isso:
deixe a criança livre para circular
não a force a permanecer no mesmo ambiente que os adultos o tempo todo
Faça combinados claros, por exemplo:
- “Você pode brincar/desenhar até tal hora”
- “Depois eu te chamo para jantar”
- “Na hora dos presentes, vamos estar juntos”
💡 Chame a criança nos momentos que ela provavelmente vai gostar, não a todo instante.
🤍 Um ponto muito importante: rituais sociais
Para adultos neurotípicos, é comum:
- parar tudo quando alguém chega
- abraçar, beijar, cumprimentar
- voltar ao que estava fazendo
Para a criança, isso pode ser assustador e confuso.
Não faz sentido chamá-la toda vez que alguém entra.
Isso pode aumentar a ansiedade em vez de integrar.
🚫 Não force abraços e beijos
Esse é um aprendizado essencial.
Você pode:
- incentivar
- modelar
- explicar
Mas não brigue se a criança não quiser abraçar ou beijar.
Correr, se afastar ou dizer “não” também são formas de comunicação.
Respeitar isso ensina:
- autonomia
- limites
- segurança corporal
🔁 E as estereotipias? Vamos falar sobre isso.
É comum que, em períodos de maior estímulo emocional, as estereotipias apareçam ou se intensifiquem.
Mas o que são estereotipias?
São movimentos repetitivos, sons ou ações que ajudam a criança a:
- se regular
- aliviar tensão
- organizar emoções
- lidar com sobrecarga sensorial
Exemplos:
- balançar o corpo
- bater as mãos
- repetir palavras
- girar objetos
👉 Elas não são “manha” nem provocação.
São uma forma legítima de autorregulação. Interrompê-las sem necessidade pode aumentar o sofrimento.
🌿 Estratégias práticas adicionais para as festas
⏰ Combine um tempo de permanência
Antes de sair de casa, explique:
- “Vamos ficar até tal hora”
- “Depois disso, vamos embora”
Mesmo que o plano precise mudar, ter um tempo combinado diminui a ansiedade.Para muitas crianças, saber que existe um fim ajuda o corpo a tolerar o meio.
🚪 Tenha um “plano de saída” combinado
Explique algo como:
“Se ficar difícil, podemos ir para um lugar mais quietinho ou ir embora.”
Só saber que há uma possibilidade de sair já acalma — mesmo que ela não seja usada.
🌗 Crie um espaço de refúgio
Seja fora ou dentro de casa, pense em: um quarto ou uma área mais silenciosa
Com: luz mais baixa, almofada, cobertor e brinquedo ou objeto sensorial.
Esse espaço não é isolamento — é autorregulação assistida.
🧠 O que costuma acalmar sensorialmente?
Cada criança é única, mas alguns recursos costumam ajudar bastante:
🤍 Estímulos proprioceptivos (muito reguladores)
- Abraços se a criança aceitar
- Cobertor mais pesado
- Mochila leve nas costas
- Almofada para apertar
Esses estímulos ajudam o corpo a “se sentir contido”.
✋ Estímulos táteis organizadores
- Massinha
- Bolinha antiestresse
- Tecidos macios
- Objetos de apertar, girar ou deslizar
Podem ficar disponíveis sem precisar explicar muito.
👃 Estímulos olfativos (com cuidado)
- Cheiro conhecido (roupa, manta, travesseiro)
- Aroma suave e familiar
O olfato acessa memória emocional rapidamente.
🥗 Atenção à alimentação
Festas mudam horários, cheiros e sabores.
Sempre que possível:
- leve algum alimento que a criança já aceita
- não force experimentações nesse momento
- evite longos períodos sem comer
Fome + estímulo excessivo = desorganização maior.
🧍♂️ Permita movimento
Crianças não precisam ficar sentadas por longos períodos.
Se possível:
- caminhar, subir escadas, ir até fora por alguns minutos
Movimento ajuda a descarregar excesso sensorial.
🗣️ Diminua explicações longas durante a festa
Em momentos de sobrecarga:
- fale menos
- use frases curtas
- evite perguntas abertas demais
Exemplo:
❌ “O que você quer fazer agora?”
✔ “Você prefere ficar aqui ou ir para o quarto?”
🌙 Cuidado com o pós-evento
Muitas crianças desorganizam depois, não durante.
- irritação
- choro
- silêncio
- aumento de estereotipias
Isso não significa que “não deu certo”.
Significa que o corpo está processando.
🌸 Uma mensagem importante para os pais
Nem sempre a criança vai “aproveitar” do jeito que imaginamos.
E tudo bem.
O que fica não é a festa perfeita, mas a sensação de:
- ter sido respeitada
- ter tido escolha
- ter sido acolhida
Isso também é celebração.
🎄 Um Natal mais afetivo não é mais perfeito — é mais humano
As festas não precisam ser impecáveis.
Precisam ser habitáveis emocionalmente.
Quando acolhemos o ritmo da criança, explicamos o que vai acontecer, respeitamos seus limites e oferecemos escolhas possíveis, criamos memórias mais seguras — para ela e para nós.
Encerrar o ano com previsibilidade é também ensinar que:
o mundo pode ser intenso, mas existem adultos atentos, disponíveis e confiáveis ✨
Com afeto,
Regiani ✨